A vida original
Para recuperar a igreja original, João nos diz que temos que retornar primeiro à vida original. A vida que estava no princípio com Deus. Antes que algo fosse criado, ela se encontrava escondida no seio do Pai. O apóstolo a chama «a vida eterna», mostrando com isso o seu caráter mais essencial. É eterna porque é divina. Na verdade, trata-se da vida que possui o Deus eterno. Por este motivo, não muda, não se enfraquece, não decai nem jamais morre. Ela é a causa de existir a eternidade.
A vida – nos diz João– foi manifestada e a temos visto». Aqui está a medula de sua mensagem. Ele nos fala de ter ouvido, tocado, contemplado e apalpado o Verbo da vida. Esta experiência íntima e profunda com Jesus Cristo explica o nascimento de algo chamado igreja sobre esta terra. Nada mais o pode explicar, pois, segundo João, ela tem a sua causa precisamente nesta experiência original.
Mas, de que experiência estamos falando? A resposta a esta pergunta nos aproxima do coração da mensagem joanina: a experiência de Jesus Cristo com os doze.
O Verbo de Vida se fez carne e habitou entre nós. Disto se trata tudo. João era já muito velho quando escreveu a sua carta, mas certamente podia recordar vividamente o momento em que Jesus cruzou por seu caminho. Um dia qualquer em sua vida comum de pescador junto ao mar da Galiléia, enquanto remendava as suas redes, a vida eterna se deteve por um instante junto a ele e lhe disse: «siga-me». Isso foi suficiente. A partir desse dia, João abandonou tudo e se uniu a mais onze homens na incerta aventura de seguir e conhecer a Jesus. Nada sabiam ainda do alto chamado que tinham por diante, pois, compreendamo-lo bem, eram sós doze homens comuns cujas vidas teriam permanecido para sempre no anonimato caso não tivessem tido o seu encontro com Jesus.
Mas o encontro aconteceu e muito em breve toda a história do mundo ficaria transtornada por este acontecimento. Durante os próximos três anos e meio seguintes os doze viveram para conhecer a Cristo em quase toda circunstância humana possível. Sucessiva e progressivamente, experiência após experiência, aqueles homens foram despidos e esvaziados, moídos e amassados até vir a ser «uma só coisa» com ele. E nessa profunda e participativa comunhão com Jesus Cristo chegaram, finalmente, a formar parte de algo que está completamente além da esfera deste mundo. Pois, na verdade deveriam experimentar a vida tal como era experimentada desde a eternidade no íntimo seio da Trindade. Contemplando a Cristo viver por meio da vida do Pai, eles aprenderam a viver por meio de Cristo. Esta foi a sua lição mais importante.
Como expressar com palavras o que esses homens viveram com Jesus Cristo? Como definir o mais essencial da sua experiência? João nos resume isso com uma só palavra: amor. Porque para o discípulo amado, o amor não é um ingrediente a mais da experiência cristã, mas o ingrediente fundamental. A vida que eles conheceram em Jesus tinha, sobretudo, essa forma essencial: «... como havia amado aos seus que estavam no mundo, amou-os até o fim». Aqueles homens foram amados por Jesus, e através dele, pelo Pai. Em todas as diversas experiências vividas junto ao Mestre aquele atributo predominante de sua vida divina foi cativando, envolvendo e transpassando. E, por isso, quando o Senhor lhes entregou o seu mandamento mais importante, entenderam claramente o que estava lhes mandando: «Amai-vos uns aos outros como eu vos amei».
Esta experiência os transformou por completo, até convertê-los nos doze homens que mudariam o mundo, quando, depois do Pentecostes, aquela vida veio morar dentro deles para sempre.
Nenhum comentário:
Postar um comentário